Estaremos abordando, nesta oportunidade, um tema sugerido por diversos leitores do nosso Blog: Deus e o problema do mal. O assunto é um pouco extenso, por isso, inicialmente imaginei criar uma série de artigos, mas logo conclui que seria melhor optar por um único artigo, que embora um pouco extenso, certamente, agradará mais aos nossos leitores. Então, vamos lá…
Não é difícil constatar a presença do mal no mundo. Miséria, dor, guerras, desastres naturais, etc., fazem parte do dia-a-dia de centena de milhares de pessoas ao redor do mundo. Ao longo da história, muitos se levantaram para apontar estes fatos como prova da inexistência de Deus.
Este, reconhecidamente, tem-se constituído no grande desafio intelectual do apologista cristão. É uma tarefa complicada explicar como a existência do mal e do sofrimento no mundo não compromete nem a fé cristã, nem a idéia da existência de Deus.
Além disto, outro ponto que torna dificultosa a tarefa é como não parecer insensível ou distante da realidade daqueles que estão sofrendo. Nossa resposta, portanto, deve não apenas servir para aqueles que cobram uma coerência lógica do teísmo cristão, mas talvez, ainda mais, acalentar aqueles que sofrem com as consequencias do mal.
O argumento “filosófico-ateu” diz que é logicamente incompatível a existência de um Deus onipotente e bom diante da realidade do mal e do sofrimento presente no mundo. Vejamos como o mais célebre dos céticos, o filósofo ateu David Hume, definiu sua posição:
Estaria ele [Deus] querendo impedir o mal sem ser capaz de fazê-lo? Então ele é impotente. Ele é capaz, mas não está disposto? Então ele é malévolo. Ele é tanto capaz quanto está disposto? Então de onde vem o mal?
Para refutar esta crítica, precisamos analisar os desdobramentos deste pensamento, para entendermos como os céticos chegaram à conclusão de que existe essa chamada “incompatibilidade lógica”.
Primeiramente, afirmam que poderia existir um outro mundo, melhor do que este, onde não houvesse mal, dor ou sofrimento. E esse “mundo perfeito” deveria ser habitado por homens e mulheres livres, que sempre escolhessem, voluntariamente, por fazer o que é certo e bom. Se Deus é realmente onipotente, ele teria poder para criar tal mundo e, se não pode, é porque ou Ele não existe de fato, ou se existe, não é todo-poderoso.
Outra conclusão a que chegam é que, por ser bondoso, Deus, certamente, preferiria criar um mundo imaculado a criar um mundo infectado pelo mal. Dessa forma, diante da presença incontestável do mal no mundo, ou Deus foi incompetente para criar tal mundo e, neste caso, não seria onipotente; ou poderia, mas não desejou fazê-lo, e, neste caso, Ele seria maligno, pois permitiu que seus filhos passassem por tantas dores e tribulações.
Note que os argumentos atacam a onipotência e a bondade de Deus. Dois atributos divinos sem os quais o conceito de cristianismo ruiria. O problema, aparentemente, parece intransponível, mas como veremos adiante, trata-se, apenas, de uma falácia.
Para refutar a primeira objeção, vamos utilizar o argumento chamado de “defesa do livre arbítrio”, usado pelo filósofo Alvin Platinga. Mas para isto, antes, precisamos compreender a noção de onipotência. William Lane Craig e J. P. Moreland definem onipotência como “a possibilidade de Deus criar tudo aquilo que for logicamente possível”.
Precisamente porque é todo-poderoso, Ele não pode fazer algumas coisas, dentre elas, mentir ou cometer erros. Assim, por exemplo, criar uma pedra tão pesada que nem mesmo Ele possa levantar, ou criar um triângulo quadrado, são coisas logicamente impossíveis, portanto, não realizáveis, nem mesmo por Deus.
Mas o que isso tem a ver com o problema? Tudo. A primeira proposição não pode ser verdadeira justamente por ser uma contradição óbvia, isto é, algo logicamente impossível. Vejamos.
Se Deus criasse um “mundo perfeito”, sem dores nem sofrimento, em que seus filhos fossem dotados de liberdade, seria, apenas uma questão de tempo para que qualquer pessoa escolhesse, livremente, deixar de fazer o que é certo. E o mal entraria em cena, como consequência da atitude do homem, e não como criação divina.
Ou, se nesse “mundo perfeito” todos sempre fossem induzidos a escolher o que é certo, isso não seria liberdade genuína, pois se Deus dotou o homem de livre arbítrio, não há como Ele garantir as escolhas humanas, a menos que fossemos todos “robôs-autômatos”, o que, definitivamente, não somos.
Logo, podemos concluir que a criação desse “mundo perfeito”, defendido pelos ateus, é logicamente impossível. Assim, o primeiro dos argumentos ateístas fracassa no seu intento. Assim, o argumento baseado apenas nesse fundamento é inválido.
Mas e o segundo argumento, de que se Deus é realmente bondoso e pudesse, ele escolheria criar um mundo imaculado, para livrar seus filhos da dor? Parece-nos igualmente inválido.
Usemos a analogia de um pai que educa seu filho. Todo pai, ou mesmo quem é ou já foi responsável pela educação de uma criança, sabe que em determinados momentos a disciplina deve ser aplicada, como forma de ensinar a criança e prepará-la para as adversidades do futuro. O crescimento e a maturidade da criança são motivos suficientes para que um pai amoroso a corrija.
De igual forma Deus também permite que soframos para o nosso crescimento e amadurecimento. Deus não estará deixando de ser um pai amoroso porque usou o sofrimento de um de seus filhos para edificá-lo, ou para edificar e testar outros, ou mesmo para alcançar um objetivo maior. Deus pode ter razões suficientes para permitir a dor e o sofrimento no mundo. Razões estas que nós, seres finitos, não somos capazes de enxergar.
Parece estranho? Mas não é. Quer um exemplo? Foi exatamente isso que Deus fez quando permitiu que seu único filho viesse ao mundo para morrer por nós, pagando com seu sangue, para que pudéssemos ter a vida eterna ao lado do Pai. A maior tragédia da história tornou-se o evento mais glorioso da história.
Desta forma, podemos concluir que o segundo argumento também é igualmente incorreto. Portanto, podemos afirmar com toda a segurança, que toda essa construção fica duplamente invalidada pelas razões que expusemos.
Bom, do ponto de vista lógico-filosófico, cremos que conseguimos expor de maneira consistente, ainda que de forma bem resumida, os argumentos que o Cristão pode utilizar-se para refutar o argumento dos céticos de que o problema do mal seria um indício da inexistência de Deus.
Concluindo, quero dizer que é dever de todo aquele que se diz Cristão estar preparado, tanto para difundir o evangelho quanto para defendê-lo dos ataques intelectuais dos seus opositores. Lembrem-se de I Pedro 3:12 e 13:
Mas também, se padecerdes por amor da justiça, sois bem-aventurados. E não temais com medo deles, nem vos turbeis;
Antes, santificai ao Senhor Deus em vossos corações; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós.